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Ancestralidade, Estilo e Sustentabilidade: A Força das Mulheres da Terra Firme
8 de junho de 2025

Por Laura Serejo.

No bairro da Terra Firme, também conhecido como Montese, em Belém, negócios liderados por mulheres nos setores de moda autoral e economia circular utilizam as redes sociais para superar barreiras.

Enquanto Belém se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) em novembro de  2025, um ecossistema de micro e pequenas empresas lideradas por mulheres na Terra Firme aposta na transformação digital para expandir sua atuação e impacto. Empreendedoras dos setores de moda e economia circular relatam o uso intensivo de plataformas como Instagram e WhatsApp para gerenciar vendas, marketing e relacionamento com clientes, ao mesmo tempo em que enfrentam desafios de infraestrutura e buscam se conectar às oportunidades do evento global.

O movimento reflete uma tendência nacional. Segundo dados do Sebrae, o Brasil conta com mais de 10 milhões de mulheres como Microempreendedoras Individuais (MEIs), e o uso de canais digitais é apontado como principal vetor de crescimento para 67% delas. No Pará, essa realidade se traduz em iniciativas que unem identidade local e novas tecnologias.

Moda autoral como ferramenta de afirmação​

É o caso da estilista Vanessa Fogayo, 31 anos, que comanda sua marca homônima, Fogayó - Moda Afro-Amazônica, no bairro da Terra Firme desde 2017. A marca surgiu com o intuito de trazer representatividade às pessoas pretas e periféricas no cenário cultural da moda.

Segundo a estilista, sua grande inspiração foi justamente a ausência dessa representatividade. “Tinha público, mas não tinha mercado. Eu também precisava empreender para ter uma renda, para ter autonomia. Foi quando viajei para São Paulo e conheci africanos de vários países. Consegui trazer algumas capulanas, alguns tecidos africanos, e dei início ao meu empreendimento.”, aponta.

Para Vanessa, a alma do negócio está no simbolismo e na ancestralidade: “A alma do nosso negócio é preta e carrega simbolismo, ancestralidade, identidade — da cultura afro e da cultura afro-amazônica —, trazendo elementos como folhas, plantas, fauna, flora, saias de chita, de carimbó, doces africanos.”

 

Vanessa Fogoyó em desfile - Foto: arquivo pessoal

 

Além de cultural, a moda idealizada por Vanessa também atua de modo sustentável. “Os tecidos são 100% algodão, biodegradáveis. Eles não prejudicam o meio ambiente porque se decompõem mais rápido na natureza”, destaca a estilista.

Desde o surgimento da marca, Vanessa utiliza a internet como forma de divulgação. Para ela, as plataformas digitais são essenciais para romper o que chama de "barreiras geográficas e de preconceito". “As redes sociais me permitem apresentar meu trabalho sem intermediários e construir uma marca com identidade forte, que dialoga com a moda urbana e a cultura amazônica”, acrescenta. 

A estilista, que participa de feiras e organiza desfiles na cidade, utiliza o Instagram não apenas como vitrine, mas como ferramenta de construção de reputação, validando seu trabalho para além das fronteiras do bairro. “Meu maior desafio é a logística de entrega a partir do bairro e o acesso a capital de giro para aumentar a produção. Mas o digital me dá acesso direto ao mercado e a um público que valoriza uma criação autoral”, conclui Vanessa.

Economia circular e o crescimento dos brechós

 

Em outra frente, as irmãs Shenia e Sheyla Monteiro, de 42 e 46 anos, respectivamente, gerenciam o brechó Garagem Chic, também na Terra Firme, e apostam no crescente mercado da economia circular. O setor, que cresceu mais de 40% no último ano no Brasil, é visto por elas como um modelo de negócio com forte apelo à sustentabilidade.

A iniciativa partiu de Sheyla, que, ao ficar desempregada, teve a ideia de montar seu próprio negócio com peças cuidadosamente selecionadas. Chamou a irmã, e juntas deram início ao empreendimento na garagem da casa dos pais. Segundo as empreendedoras, a proposta do Garagem Chic é oferecer moda acessível, estilosa e sustentável. “Trabalhamos com roupas seminovas, selecionadas com carinho para valorizar a autoestima de quem compra, sem pesar no bolso. Nosso objetivo é mostrar que todo mundo pode se vestir bem, com personalidade e consciência, mesmo morando longe do centro da cidade”, destaca Shenia.

​​Shenia e Shayla Monteiro no início do brechó Garagem Chique - Foto: arquivo pessoal

Ambas destacam a importância da moda sustentável e seu impacto ambiental. “Nosso trabalho tem um impacto ambiental direto. Cada peça vendida é um item a menos no lixão e milhares de litros de água economizados”, explica Shenia.

Além do conhecimento em moda circular, elas enfatizam a importância das redes sociais. “Usamos o WhatsApp para vendas diretas e o Instagram para 'garimpos ao vivo', o que cria um senso de comunidade e urgência. A dificuldade é o preconceito que ainda existe com peças usadas e a formalização do negócio”, afirmam as irmãs.

Para elas, o modelo de brechó é uma solução de baixo custo e alto impacto, alinhada com as discussões que a COP 30 trará para a cidade.

Apoio técnico e inovação

Para além do incentivo pontual, o Sebrae tem investido em programas contínuos de fortalecimento do empreendedorismo feminino na Amazônia. Segundo Renata Batista, gerente de sustentabilidade e inovação do Sebrae no Pará, a atuação da entidade busca adaptar soluções à realidade de mulheres que empreendem em territórios marcados pela informalidade e desafios sociais históricos. “Temos trabalhado com recortes mais específicos, olhando para raça, território e gênero. O empreendedorismo feminino não é homogêneo. A mulher da periferia amazônica enfrenta barreiras diferentes da empresária urbana do centro. Por isso, nossas ações combinam capacitação técnica com apoio emocional, digitalização e acesso a mercado”, detalha.

Entre os programas voltados para mulheres está o Sebrae Delas, que oferece mentorias, cursos e aceleração de negócios. No Pará, a iniciativa tem alcançado empreendedoras de bairros como a Terra Firme por meio de parcerias com associações locais e editais públicos.

Além disso, o Sebrae tem apostado em ferramentas tecnológicas que facilitam o acesso remoto ao conhecimento — como aplicativos de gestão e plataformas de e-learning. “O que vemos na Terra Firme são mulheres com ideias potentes, com negócios que já nascem alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas que precisam de estrutura e redes para escalar. O Sebrae atua como ponte, facilitando a profissionalização e a inserção dessas mulheres em ambientes de inovação e políticas públicas”, conclui Renata.

COP 30: Oportunidades e desafios de infraestrutura

 

A expectativa sobre o legado da COP 30 é um ponto comum entre as empreendedoras. A esperança por maior visibilidade e acesso a novos mercados se contrapõe aos desafios de organização e acesso para os produtores locais.

Renata Batista, do Sebrae, detalha a estratégia da instituição para incluir as empreendedoras no evento. “Para a COP 30, identificamos eixos prioritários como economia criativa, alimentos e bebidas e hospitalidade. Estamos atuando na gestão dos negócios liderados por mulheres dentro dessas áreas para prepará-las para as oportunidades, com um foco especial no desenvolvimento de negócios sustentáveis e de bioeconomia, onde elas já são uma grande parcela das lideranças”, explica.

Apesar da iniciativa, Vanessa Fogayo expressa uma visão crítica sobre o acesso dos produtores locais ao evento. “Sobre a COP 30, vejo muita competição e falta de informação. Pessoas de outros estados já estão sendo inseridas em feiras e eventos, enquanto nós, que somos daqui, os protagonistas, não estamos tendo acesso a essas oportunidades e informações sobre como participar”, desabafa a estilista.

As donas do Garage Chic complementam: “Esperamos que a COP 30 impulsione políticas de apoio para pequenos negócios sustentáveis como o nosso, criando linhas de crédito e nos conectando a mercados maiores. Queremos ser parte da solução, não apenas um cenário.”​​​​​​​

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